domingo, 10 de fevereiro de 2013

Entrevista a Cosme Damião II

Segue a continuação da entrevista a Cosme Damião (Parte I),


O grupo dos Catataus


- Em Belém, formara-se, muito antes,  um destes grupinhos de bairro. Os rapazes de algumas das melhores famílias daquela zona reuniam-se para jogar futebol. E residia quási tudo, no mesmo prédio, na rua Direita de Belém, onde estava e está a Farmácia Franco. Os jogadores mais em evidência eram os irmãos «Catataus» - José, António, Candido e Jorge Rosa Rodrigues. Jogavam, com eles, os Carrilhos, seus vizinhos, e os Monteiros, moradores na mesma rua. A própria farmácia contribuiu com entusiasmo para o núcleo de jogadores - Manuel Goularde e Daniel de Brito, empregados da farmácia, os donos, Pedro Franco e Conde do Restelo, e um médico que ali dava consultas - o dr. António de Azevedo Meireles. Uns jogavam. Os outros ajudavam os rapazes. O grupo dos «Catataus», em organização, teve diferentes títulos, conforme as necessidades de momento.
-«Este grupo disputava desafios com os «teams» que apareciam, tanto de Escolas - havia perto o Colégio Arriaga - como de clubes. Este grupo dos «Catataus» foi um dos núcleos  que deu depois jogadores para o desafio que provocou a fundação do Sport Lisboa.

 
A Associação do Bem


«O outro núcelo era o de jogadores que se fizream na Casa Pia. Eu saí, em Agosto de 1902. Em Julho de 1903, fundou-se a Associação do Bem, constituída por ex-alunos da Casa-Pia. Havia o propósito de dar aquela associação, características tão amplas que permitissem a prática dos desportos. Apareciam muitos ex-alunos, pela seda, em segundo andar da Rua de Serpa Pinto, com janelas para o Chiado.
«O desporto contava bastantes simpatias, na Associação do Bem. Para o futebol ia, porém, o maior entusiasmo. Pensou-se, assim, na formação de um «team» de futebol. Eu era muito novo, mas pertencia ao grupo dos que aceitaram o projecto com mais alegria.
«Pensou-se, desde o princípio, nos jogadores que deram à Casa Pia, a vitória estrondosa de 1987, contra os ingleses do Carcavelos Clube. Quási todos eles estavam dispostos a voltar ao jogo. E todos tinham ganho muito presrtígio.
«Veio o primeiro treino, realizado num domingo, compareceream talvez uns 24 jogadores. Formaram-se dois grupos e não houve lugar para todos... Ao segundo treino, no domingo imediato, marcado, como todos, para o Hipódromo, compareceream apenas 18 ou 19. Já não foi possível arranjar dois «teams»... No terceiro domingo, o número desceu para 12 ou 13.
Quando os treinos findaram, os que podiam reuniam-se em almoço, na casa do António das Caldeiradas, à esquina do Largo de Belém.
Os teinos, os almoçoes, tudo isto se foi tronando conhecido a pouco e pouco, em Belém. E começou a aparecer gente a ver os nossos treinos. Foi num dos domingos do Hipódromo que se travou conhecimento com o José Trabucho, antigo mestre do hiate real, e que acompanhava o grupo dos rapazes de Belém. E foi ali também que conhecemos um outro rapaz.
 
Manuel Goularde


Há, aqui, uma pausa do Cosme. E vem um comentário, para o jornalista:
«- Tu não calculas o que era a figura desse rapaz. Estou-o vendo: aparecia sempre equipado, por completo - da cebça aos pés... Kepi preto, camisa branca, calção preto, meias de futebol e botas também de futebol. Mas o que dava mais nas vistas era uma grande faixa sobre a camisa, a tiracolo, com as três cores da bandeira francesa. Não soubemos a princípio o seu nome. Começou a aparecer talvez no terceiro treino. Não jogava. Dava apenas uns pontapés...
Era o Manuel Goularde, o empregado da Farmácia Franco.
Manuel Goularde conhecia muito bem as leis do jogo. Tomou para nós, o papel de técnico - do futebol. Passou a acamaradar francamente com os jogadores da Associação do Bem. E falavamos dele com simpatia, nos locais onde nos reuiniamos, geralmente numa farmácia do Conde Barão, também frequentada por sócios do Clube Naval, de Lisboa.
Mas continuavam a gostar do futebol.
Manuel Goularde foi, mais tarde, quando nos faltavam jogadores, o ponto de ligação do grupo dos «Catataus». Por essa altura tinham regressado da Inglaterra Fernando e Eduardo Luiz Pinto Basto, que brilharam, mais tarde, no Internacional. Com o regresso deles, reforçou-se o grupo que era então conhecido pelo grupo dos Pinto Bastos- Voltaram também a Lisboa após uma estada em África, Carlos Vilar e Joaquim Costa, ambos oficiais de marinha, o último já falecido. Foi um bom reforço. E o grupo dos Pinto Bastos ganhou fama.
 
O Sport Lisboa


O Manuel Goularde pensou que nós podíamos defrontar aquele grupo se incluíssemos no «team» jogadores do grupo dos «Catataus», ao tempo designado por grupo de Futebol Lisbonense, ou título semelhante. Fizemos assim, um misto entre a Associação do Bem e o Lisbonense. Julgo que perdemos o primeiro desafio, por 0-1. Mas ganhámos o segundo por 1-0. Os dois desafios foram disputados nas Salésias, talvez em Dezembro de 1903.
Houve festa rija numa cervejaria em frente da Farmácia Franco, para celebrar a vitória. E partiu da referida festa a ideia de nos reunirmos em clube.
Esta ideia discutimo-la depois. Hesitámos no título. Sport Lisbonense de Lisboa. Sport Lisboa. E optámos, no fim, pela última designação. Ficaram especialmente connosco o Goularde, o Daniel de Brito e os quatro irmãos Rosa Rodrigues.
Nasceu, assim, o Sport Lisboa.

(continua...)




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