segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Entrevista a Cosme Damião III

Segue a continuação da entrevista a Cosme Damião (Parte I, Parte II)


Os primeiros tempos do clube

«A primeira manifestação da actividade do novo clube foi o treino marcado para 28 de Fevereiro de 1904. Para a compra da bola, fizemos um empréstimo de 4.500 réis. o respectivo documento constava do arquivo do clube. O treino fez-se em Belém, no antigo terreno das Salésias.
As dificuldades eram, porém, grandes, visto que era um terreno público. Não havia local que servisse para mudar de roupa, ou de balneário. Para o equipamento, pagava-se alguma coisa a um casal de velhos, no topo de poente. E a lavagem fazia-se ao ar livre, em alguidares de barro. A água era de um poço próximo. Havia um moço que se encarregava especialmente de tirar a água, e despejar algumas vezes baldes de água por cima dos jogadores. Outros jogadores vestiam-se logo que o desafio ou treino findava, para se lavarem à vontade nos outros clubes a que pertenciam, no Clube naval ou no Gimnásio.
Não houve eleições, para a primeira direcção. Foi eleita - por acordo, entre os jogadores. Como Presidente, ficou o dr. Januário Barreto, que veio a falecer muito novo. Para os lugares de secretário e tesoureiro, escolheram-se, respectivamente, Manuel Goularde e Daniel de Brito. E como estes directores eram empregados da Farmácia Franco, ali funcionou a primeira sede do Sport Lisboa.
Em determinada altura, fomos corridos das Salésias. Uma ordem do Ministério da Guerra interditou o terreno para a prática do futebol. Passámos então a treinar nos terrenos da Companhia dos Caminhos de Ferro, em Belém, por vezes atrás do antigo jardim. Tivemos de alugar casa. E essa necessidade serviu para se criar mais tarde, uma sucursal do clube, naquele bairro»
O Cosme interrompe a conversa para fumar um cigarro. É boa esta paragem para descanso. E nós aproveitamo-la para dizermos: - Bem. Está já esclarecido o primeiro ponto que me trouxe a tua casa. Quando puderes, vamos ao segundo: Como se deu a saída de jogadores para o Sporting?
Cosme responde:
- «Está bem. A questão não é de facto complicada. Resultou de um problema que se pôs ao clube logo que nos correram das Salésias.

Um clube e vários jogadores à procura de campo

«A necessidade de um campo de jogos surgiu cedo, no Sport Lisboa. E não foi descurado. Faltou apenas dinheiro para o resolver. Pensámos, primeiro no actual campo do Belenenses. Tentámos, depois, um campo que corresponde um pouco ao seu terreno de treino, com entrada pela Rua da Junqueira. Eram terrenos de qualquer corporação religiosa e não houve maneira de remover as dificuldades que se levantaram. A nossa preocupação era ficar em Belém ou perto.
A procurar solução adequada, lançámos depois as vistas para um campo no Arco do Cego. O dono, um senhor de nome Amorim, quis fazer bom negócio e pediu 200.000 réis de renda por mês. Oferecemos o que se nos afigurou compatível, para as disponibilidades do clube. Mas não se chegou a acordo. Desistimos, por isso.
Desistimos, é como quem diz, desistiu o clube. Os jogadores é que não. O Sport Lisboa tinha uma primeira categoria com jogadores de elevada posição social. O Januário Barreto estava médico. O Couto, arquitecto. Franscisco Santos, que regressara de Paris e José Neto, eram escultores. Pedro Guedes começava a firmar o seu nome como pintor. O Silvestre José da Silva era professor na Casa Pia. Daniel Queiroz dos Santos estava bem empregado. Emílio de Carvalho criara fama como gravador. Os dois Rosa Rodrigues (António e Candido) estavam bem relacionados. Alguns já não estavam nos vinte anos... Não lhes agradava, por isso, andar com equipamentos e balneários ao ar livre, sem comodidade nenhuma. Já não tinham idade, nem posição social para rapaziadas.

(continua...)





2 comentários:

  1. Excelentes posts estes cujo link partilhei no meu Facebook pois merecem a leitura de qualquer benfiquista que se preze.
    A figura de Manuel Gourlade é pouco conhecida dos adeptos benfiquistas.

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  2. Fantástico.
    Isto é serviço público ao benfiquismo.

    Parabéns pelo blog,

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